terça-feira, 23 de agosto de 2011

Crônica - Rita Elisa





O protagonista de toda crônica gastronômica é o fogão à lenha. Não tem como desviar desse símbolo máximo de satisfação... sim... em todos os sentidos.


  Pelo olfato, o cheiro da fumaça me leva às brincadeiras de criança, onde minha irmã Letícia e eu, no quintal, fazíamos nosso fogãozinho, com dois tijolos, gravetos e papéis velhos. Acendíamos o fogo que cozinhava nossa comidinha. Coisas simples: panela - uma simples latinha de massa de tomate; alimento – arroz. Em questão de minutos ficava pronto o mais delicioso arroz, defumado pela fumaça de sonhos que, por alguns instantes, nos deixava ser gente grande.
Pela audição, o som do crepitar das chamas, os estalos das madeiras sendo queimadas, até hoje são músicas para os meus ouvidos.
  Pelo tato, sentar-me no ban-quinho em cima do primeiro plano do fogão e lá ficar me esquentando.    Primeiro coloco as mãos frias quase que diretamente no fogo, até que fiquem vermelhas de tanto calor, depois eu as trago para o corpo e aqueço meu rosto, meus braços, minhas pernas e, até mesmo, meus pés calçados.
  Pela visão, os desenhos que as labaredas fazem sempre me fascinam. Vejo de tudo nessas línguas amarelo/avermelhadas que sobem e descem, com elas eu danço valsa.
  Pelo paladar... chego a dizer que toda comida ganha iden-tidade caipira quando feita no fogão à lenha. De um simples feijão a um bom tacho cheio de doce de abóbora, tudo fica mais do que especial. Quem resiste a levantar a tampa de um caldeirão com feijoada só para dar uma espiadinha na iguaria? Es-piar com os olhos, provar na concha da mão, cheirar com vontade... até a barriga roncar.
  Pelo sexto sentido, esse que dizem que só nós mulheres têm (mas, já vi homens com esse dom), basta ficar ao lado de um fogão à lenha para as ‘estórias’ surgirem, algumas pinçadas dentro de uma antiga mala de couro, em um velho baú de madeira ou em uma caixa de papelão. São contadas em voz baixa, pela mãe... ou pelas avós, tias e primas que sempre têm um ‘causo’ a mais para marcar na nossa lembrança. A roda de prosa em volta do fogão à lenha é um ato cognitivo que vem de nossos mais antigos antepassados, desde a época dos homens da caverna, quando sentavam em volta de uma fogueira para se aquecerem, abrigar, alimentar e conversar. Assim somos até hoje. Experimente. Suas lembranças mais profundas surgirão e você dará voz às ‘estórias’ oriundas dos seus ancestrais. Dizem que para que isso aconteça devemos deixar um lugar vago, pode ser uma cadeira ou banquinho, sempre vazio, para que um parente antigo, falecido, venha alimentar o as chamas... do fogão e da nossa alma!




 
 
 
 
 
 
Rita Elisa
Cronista, Poeta, Biógrafa
Fotografa, Pesquisadora
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário