segunda-feira, 28 de março de 2011

Rita Elisa - Crônica

  São os causos de família que sempre nos despertam para uma boa prosa em volta de uma fogueira, no quintal de casa, ou no terreiro do sítio. Em uma dessas ‘contações de estórias’, fizemos a proposta de um tema para puxar pela lembrança, e o escolhido foi religião. Pronto, dizem que política e religião não se discutem, mas como não era mesmo causo de discussão, era só uma vaga lembrança de alguns fatos familiares sob o prisma religioso, aceitamos o tema. Então, lembrei-me, como se fosse ontem, de um causo verídico, desses que não podem faltar numa roda de prosa. Foi na época de Corpus Christi, na verdade na arrumação da rua para a procissão. Como é de praxe, minha família participa há várias gerações do processo de ornamentação das ruas. O que não é fácil porque as ruas são pavimentadas com para-lelepípedo. Minha mãe é artista da melhor estirpe, sabe desenhar, pintar e fazer uma boa arte. Foi minha primeira professora de Educação Artística, isso lá pela década dos anos 1960... deixemos isso de lado, senão fico mais velha do que penso. O causo que vou contar não faz tanto tempo assim, é mais recente.
  Minha mãe levantou-se cedo, antes do sol raiar, para ajudar na preparação do tapete na rua. Dessa vez ela esmerou-se em reproduzir, no entroncamento de duas ruas, a figura de um carneiro: o símbolo do Bom Pastor. Foi com agilidade de artista que desenhou com carvão uma verdadeira obra de arte. E veio a novidade... o carneiro ia ser preenchido com pipoca. Isso mesmo... minha mãe preparou cinco espigas de pi-poca, bem estouradas, levou-as em uma bacia enorme para preencher o carneiro, o último item a ser composto, já que os tapetes laterais das duas ruas já estavam finalizados, só faltava mesmo o carneiro. Acontece que o desenho era imenso, mamãe foi preenchendo a cabeça, depois o pescoço, o corpo foi tomando forma, lindo, parecia um carneiro de flocos de neve, as pessoas passavam e ali paravam admiradas. Mamãe de joelhos, não perdia tempo, ia completando o desenho, enquanto tinha de ralhar com alguns moleques de bicicleta que teimavam em ‘tentar’ passar por cima do tapete, e ainda por cima alguns cachorros que pisavam em tudo, sem dó. O carneiro tomou forma. Somente as pernas precisavam ser preenchidas quando, depois de quase uma hora de trabalho e faltando meia hora para a procissão, as pipocas acabaram. Não sei se por causa dos gulosos que se abaixavam e pegavam apenas uma, ou se a conta foi pouca mesmo. Só sei que minha mãe levantou-se, olhou dos lados, tudo normal, o tempo era para correria, saiu apressada para estourar outra espiga de milho. Em menos de 10 minutos ela estava de volta, sã e salva, com uma pequena bacia de pipoca para preencher as pernas do carneiro. O espanto foi grande, tão grande que minha mãe deixou a bacia no chão, sentou-se na beira da calçada. Seu carneiro foi devorado, literalmente, por um enorme cachorro preto que, de tanto que comeu, estava deitado em cima das sobras que pipocavam brancas em volta do satisfeito cão. Mamãe nem tentou tirar o cachorro dali. Pegou a bacia de pipocas e saiu oferecendo. Comeram com satisfação. Ficou a lição de que em tapete de procissão não se deve colocar algo comestível... nem mesmo pipoca.
  Esse é um causo que sempre rende muitas gargalhadas em nossa roda de prosa. O melhor é a receita da pipoca. Sei que vai dizer: ah!... mais isso é fácil, fácil até demais. Por isso não vou dar a receita de como estourar a pipoca. Vou passar a receita de uma tradição que quase só a encontro em São José dos Campos: o queijo que vem com a pipoca. Muitas vezes compro a pipoca só por causa do queijo. Quando meus filhos eram pequenos eu tentei de tudo para que o queijo ficasse igual aos vendidos pelos pipoqueiros. Passava o queijo na farinha, congelava, passei até mesmo no ovo. De nada me valeu. Vim conhecer esse segredo há poucos anos. Peço licença aos pipoqueiros, vou contar o segredo: corta-se o queijo em pequenos pedaços, só que tem de ser queijo amarelo, tipo mussarela ou parmesão (o melhor), não pode ser mineiro ou ricota, queijo branco não dá certo. Depois de cortado em quadradinhos coloca-os em uma vasilha de louça, vidro ou plástico, nunca de metal. Despeje sal refinado até cobrir todos os pedaços de queijo e deixe de um dia para o outro. O sal desidrata o queijo, tira toda a água dele. Verá que no outro dia os pedaços de queijo estarão boiando em água. Lave tudo em água corrente. Seque os pedaçinhos de queijo com pano limpo e frite em óleo quente. Pronto. Por isso o queijinho é tão salgadinho.


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