domingo, 12 de fevereiro de 2012

RITA ELISA

www.palavrasdeseda.blogspot.com

Placa à beira da estrada de terra na África
Precisamos dar valor às ‘pequenas’ coisas do dia a dia. As mais corriqueiras que temos à disposição. O valor da água encanada, do fogão a gás, do pão comprado na padaria, do leite ensacado. Ainda existem lugares onde a água tem de ser coletada longe, em um riacho ou cacimba; onde os tijolos amontoados tornam-se um belo fogão à lenha; onde não há pão pois a farinha de trigo é coisa rara e, a vaquinha, é algo surreal, fica apenas na imaginação das pessoas novas e na lembrança dos mais velhos.

Nessa lembrança dos antigos vi uma placa. Colocada à beira da estrada de terra, lá pelos confins da África, bem no coração da Terra. Uma placa triangular, de zinco (material raro e precioso para o lugar), onde pintaram uma vaquinha. Não é uma simples vaquinha. É... a VAQUINHA. Desenhada com requintes de um saudosismo inerente a um passado bem distante. De conversa em conversa, avós contaram aos netos como era o tempo bom, quando havia plantações, fartura na mesa, animais selvagens nos campos e ainda mais... animais domésticos. Tempo de milho, de feijão, de frutas, de palancas negras, de cachorros e... é claro - de vaquinhas. A placa é a visão temporal da magia de uma época.
  A vaquinha da placa parece um desenho lúdico. Algo infantil, de quem era acostumado a brincar de vaquinha, ou... acostumado a ouvir estórias a respeito de vaquinha. A vaca é projetada na folha de zinco com um traçado curvilíneo que impressiona. Nessas curvas vão sendo caracterizada uma vaca diferente. Ela está de lado, mas com a cara para frente; olhos enormes... essencialmente humanos. É magra, magra demais, até mesmo as tetas são pequenas, os ossos tornam-se predominantes por causa da magreza.
  O essencial dessa vaquinha é o que não vemos. A vontade de que uma vaca apareça e por ali passe, mesmo que cabisbaixa, mas que ela aconteça. Mas ela esteve há tanto tempo ali, naquela placa, estagnada, petrificada pela vontade dos que viram apenas armamento bélico, questionada pelas crianças mutiladas por minas terrestres que restaram de uma época triste, tempo que houve disseminação das plantações, dos animais e de alguns humanos. Ainda acontecem reticências dessa guerra, pontos de minas que explodem no fundo de um quintal, na estrada ou no meio da mata. Por isso não há caminho seguro que leve ao paraíso de uma vaca gorda, com tetas grandes, olhando para o chão... pastando.
  Na dor de ver e não ter, a placa foi retirada há pouco tempo, presente para meu legado de letras, para minhas escritas mais doloridas. A placa tombou no meio da saroba, símbolo da vontade, passou a ser luta vencida e doída.
   Nova pastagem para essa vaquinha. A placa voou oceano e aterrissou no alto da serra do Mar. Lá está a vaquinha, na mesma posição, com o mesmo olhar esbugalhado de quem não sabe se é humana ou qualquer outra coisa que o valha; magra; em frente para o oceano que a separa da sua terra mãe.
  Ao abrir a porta da cozinha me deparo com essa placa. Ela me faz repensar as desilusões da vida, ela me dá a certeza de que o mundo é o próprio Paraíso, pois as pessoas que viviam na busca da vaquinha, que viam nela uma realidade a ser conquistada, vivem em paz dentro do restolho de guerra imputada a elas; são felizes, sorriem, cantam, namoram, casam, tem filhos e os criam com amor; vivem com a certeza do que tem. Adaptaram-se aos limites impostos pela guerra. Marcam os morteiros nas árvores, implodem as minas terrestres, queimam os Brucutus encontrados no deserto e acreditam na força da união. Uma realidade que essa placa de vaquinha me aponta e me faz repensar na ética do TER para tornar-se SER.
  Olho em volta e vejo muito verde, o rio, a água encanada, as espigas de milho no campo, a comida borbulhando no fogão, a luz no poste em frente à porteira. Quantas facilidades, quanto conforto, quanta fartura material... penso na fartura espiritual, aquela que faz a diferença.
  Abro meus braços, sorrio para a vida, olho o vale entre as montanhas e vejo as nuvens que vêm do oceano. Envio um pensamento para meus amigos de além mar: 'vocês me deram o ensinamento da vaquinha'.




Rita Elisa Seda

Sítio Nhá Chica – Natividade da Serra - SP

Um comentário:

  1. A Bella! Casinha Branca!!! Esta Faltando Algo? Acredito Q Não... uma Visão Futurista... Muito Amor!!! é Harmonia ...A Agua Corre para o Mar... Verdade? Mentira? ou uma Historia de Amor...Não Sei...Só o Tempo Dirá...Bjos, do Lõbo.

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