terça-feira, 10 de agosto de 2010

Rita Elisa - Crônica

  Ciprestes

 
Sempre fui fascinada por cemitérios. Quando criança eu e meus irmãos íamos até o cemitério para fazer piquenique. Era mesmo um programa divertido. Algo que sempre me chamava atenção eram as alamedas de ciprestes que emolduravam as quadras do cemitério. Com o passar dos anos fui adquirindo conhecimento a respeito dessa tradição européia. Sempre que, pela primeira vez vou a uma cidade, faço questão de ir ao cemitério, lugar onde, através da iconografia dos túmulos e das árvores plantadas, posso fazer um breve estudo sobre os munícipes.
  Como não poderia deixar de ser, logo que cheguei em São José dos Campos um dos primeiros lugares que visitei foi o Cemitério Municipal, hoje Padre Rodolfo Komorek. Antigamente o cemitério era naquele larguinho onde há a capela de São Miguel, isso em 1832. A partir de 1848, com a determinação de que os enterros deveriam ser somente em cemitérios, foi imprescindível a criação de um novo local para esse fim, então, dia 21 de outubro de 1882, ficou pronto o cemitério na rua Francisco Rafael, numa área de 35 mil metros quadrados.
  Minha primeira ida ao cemitério municipal joseense me colocou diante de um enigma que não havia explicação, acho que até hoje não tem... uma árvore que vertia água de seu tronco, chegando a formar poça de água em sua base. Lembro-me que, enquanto eu olhava para a árvore, uma mulher veio e me surpreendeu ao falar que aquela era uma árvore especial, que chorava pelos mortos. Hoje, depois de mais de 30 anos passados, voltei ao cemitério e lá reencontrei essa mulher: dona Durvalina Maria da Silva. Ela, com toda atenção do mundo, me diz que aquela árvore que chorava foi perdendo as folhas, o caule ressecando... tiveram que sacrificar a árvore.
  Dona Durvalina limpou túmulos por 40 anos, dessa tarefa tirou o sustento para criar seus filhos, hoje, três gerações de sua família continuam trabalhando com amor e dedicação no Cemitério Municipal de São José dos Campos.
  Vou contar para vocês a respeito da árvore que ainda hoje continua seu apreço de guarda de túmulos – o cipreste. Sim... há várias alamedas com enormes ciprestes no Cemitério Padre Rodolfo Komorek. Dona Durvalina explica que quando começou a trabalhar lá, os túmulos eram adornados com as folhas de ciprestes, tiradas dessas árvores, que até então, eram menores. Na verdade o plantio desse tipo arbóreo em cemitérios e o uso de suas folhas como homenagem aos defuntos vêm de muitos anos.
  É uma árvore perene, vive cerca de 2000 anos, tem o porte esguio, severo e solitário, sua folhagem verde jamais se modifica com as mudanças das estações, cresce sempre em busca das alturas. É pouco exigente quanto ao solo e aguenta temperaturas mínimas de -15°C. Devido à sua resistência às tempestades, serve de corta-vento, protegendo os túmulos. Outro costume arraigado em nós há muitos séculos é o de que o cemitério deve ser destinado na área mais alta da cidade, dessa forma sempre há muita ventania por lá.
  Diz-se que o facto do cipreste ser normalmente plantado em cemitério se deve à forma da copa, semelhante a uma vela. Estaria assim, a velar os mortos. Sua madeira é de boa qualidade, pesada e muito duradoura, praticamente indestrutível. Mas, não pensem que é só isso... os gregos e os romanos acreditavam que o cipreste se comunicava com o mundo subterrâneo - Tártaro, reino de Hades, deus das profundezas. Simbolizando a mortalidade humana em busca da eternidade, a união entre o Céu e a Terra, ícone de conforto para a vida após a morte. Devido à carga simbólica de eternidade do cipreste, era uma honra para os guerreiros gregos, mortos em batalha, terem caixões feitos com essa madeira.
  Eis o mito da criação do cipreste: Cyparissus, gostava de passear pelos bosques na companhia de um magnífico veado domesticado, dedicado a Apolo. Certo dia, aconteceu que, por engano, Cyparissus matou o veado que era seu companheiro. Quando percebeu o erro ficou inconsolável e lamentou-se tanto que, deus Apolo transformou o caçador em árvore, dando-lhe o nome de: cipreste - árvore do luto! Surgiu, assim, a tradição da presença do cipreste em cemitérios.
  Como para tudo existe uma explicação técnica, eis aqui uma delas sobre o cipreste ser a árvore oficial dos cemitérios: o seu sistema radicular é muito superficial e largo. Assim, como as raízes não são profundas, não existe o perigo de violar as sepulturas (e você sabe quanto o Homem é sensível a esta questão...). E aqui está uma explicação prosaica, de como tão elegante e delicada árvore, acabou confundida com os rituais da morte.
  Por isso quando for ao Cemitério Municipal de São José dos Campos, olhe bem essas enormes árvores, que silenciosamente guardam os túmulos, como velas imensas que, ao serem tocadas, impregnam o ar com um cheiro mágico de floresta.

Rita Elisa Seda


WORKSHOP
Árvores que valem uma prosa joseense!

Vamos conversar
sobre as árvores de São José dos Campos e o
que aprendemos com elas.

C/ Rita Elisa dia 25/26 de Agosto
No Espaço Cultural Flávio Craveiro
Das 14 às16hs
Av. Lênin, 200 - Dom Pedro SJC



  




Livros de Rita Elisa Seda



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