quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Crônica - Ivani Isidoro

Descascando o abacaxi!
  Descascar um abacaxi para quem não conhece este dizer popular, significa ter uma situação/problema difícil para resolver e ficar com o abacaxi é ficar na pior ou com o pior . Literalmente descasquei um abacaxi dias atrás, ou seja descasquei o dito fruto e deixou-me na certeza que não existe abacaxi que não possa ser descascado e sim a escolha se queremos descascar e o que fazer com o que achar.
  Tudo começa pelo cheiro! E, verdade se diga: oh! fruta danada para cheirar gostoso!
  Ao lembrar uma amiga alérgica do desbunde deste cheiro e depois de ser ameaçada pelo crime de levá-la a saliva abacaxizante num incentivo a uma overdose de polaramine, confirmou-me de seus dicionários o que meu nariz já sabia: a palavra abacaxi tem origem tupi , de aba – fruta e cati – cheirar muito.
  Sabia, saber ...OPS! A origem interneteana da palavra saber vem do latim vulgar sapere, sentir cheiros, ter bom paladar, ter sabor. Tudo a ver com o abacaxi !
  Se cheirar é bom - é saber, por que a referência popular descascar abacaxi é fazer algo ruim? Resolvi defender o cheiroso das calúnias e descascar os preconceitos!
  E, apesar de estar ainda procurando a origem da expressão toda, posso dizer que o abacaxi está personificado em todos nós! Pois, se os outros podem ser abacaxis para nós, somos os outro dos outros, ou seja também abacaxis! Pior, podemos ser o abacaxi de nós mesmos!
  Descascar um abacaxi é o processo de qualquer relaciona-mento com a vida, com o outro e do eu para o eu.
  Abacaxis: alguns cheiram mais, outros menos, tem as cascas, alguns tem a polpa doce outras azedas e ou variam dependendo do lugar, para alguns é gosto, outros desgosto ...
  Assim, todos os dias encontramos abacaxis que podem ser sabores, dissabores, gostos e desgostos depende do saber que o cheiro se faz percebido.
  Quando nos apaixonamos é como sentir aquele cheiro do abacaxi que embriaga os sentidos!
  Você pode até não querer sentir, mas os sentidos enganam a razão e não dá para não ser percebido. Chegamos perto pegamos com medo de machucar e puxamos uma folhinha de prosa tentando descobrir se é doce como o cheiro.
  Quantos abacaxis deixamos porque a folhinha não saía, o preço superou o cheiro, aquele Toque da palavra gesto nos repeliram!?
  Na paixão cheirosa esque-cemos da pergunta: quem vai descascar?
  Pois, levar o abacaxi para a nossa casa interior é trazer tuuuudo junto: casca, espinho e depois a polpa! Relacionar-se é o querer saber mais, é ter sabor, ter bom paladar, comer mais da polpa! É o antropofagismo natural e saudável da nossa alma que se alimenta do outro. Única diferença entre o abacaxi fruta e abacaxi pessoa: a fruta descascamos, comemos e acabou e nós diariamente descascamos e somos descascados.
  Sendo assim, filhos, amigos, companheiros são eternos abacaxis e o consolo é que somos os abacaxis deles também!
  Está na sabedoria de como se descasca a qualidade do relacionamento, vinda somente da experiência diária, da capacidade de resiliência pessoal e necessidade deste ou aquele abacaxi. Precisamos retirar as cascas, os espinhos com jeito para não estragar o abacaxi e não machucar nossas mãos; com delicadeza , atenção, amor e respeito no uso da faca, trabalhoso mas necessário . As cascas, os espinhos? Infelizmente não dá para jogar fora sempre, a lixeira das lembranças pode transbordar e incomodar pelo odor de apodrecimento.
  É preciso transformá-lo em suco, deixar curtir em água, bater no liquidificador, usar o resto e os pequenos pedaços podres como esterco na planta da convivência.
  Na nossa casa alguns abacaxis tem a polpa ainda azedas, ainda não estão no ponto. É preciso ter paciência, contentar-se com o cheiro e dar tempo para que amadureça. De alguns fazemos suco, colocamos no fogo para ver se com açúcar melhora ou colocamos em bolo para dividir com os outros .
  Tem aqueles que jogam fora, pois não estão interessados em ter trabalho .
  Ter relacionamentos dá trabalho! Pessoas abacaxis a cada descascada, são caixinhas de surpresas. Surpresas azedas algumas vezes podem ser resolvidas com um simples minuto no microondas, não esquecendo dos 15 minutos para esfriar se não quisermos queimar a língua e cuspir a polpa.. Explico, no microondas a mudança no estado é mais rápida pela quebra das partículas, ação que a palavra resposta ao azedo que recebemos do outro, por isso a importância da espera necessária nas discussões e conflitos .
  Constatação triste, polpas azedas ainda tem jeito, polpas totalmente podres não!
  Graças a Deus, alguns abacaxis são prazerosamente descascados com intenções de casca suco, polpa e miolo amorosamente doces.
  Conto um segredo a minha amiga doce abacaxi alérgica: sou alérgica a alguns abacaxis também. Amo abacaxis, mas não dá para comê-los, nem litros de polaramine resolveriam.Podem até serem doces, mas não são nossos.
  E, se algum foi parar em sua mão para ser descascado, cheire, tenha esperança e fique feliz! Afinal o que seria de nós sem a polpa dos outros !?

Ivani Isidoro

Nenhum comentário:

Postar um comentário