quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Rita Elisa Sêda

Crônica

 Na cidade de Goiás pude aprofundar-me no hesicasmo. Não foi à toa que encontrei um anacoreta, sim... posso chamá-lo de anacoreta. Me reencontrando em cada pedra dos becos do Cisco busquei minha identidade religiosa, os mistérios que habitavam em meu interior, os que me foram fantasmas por muitos anos, foram desvendados em uma tarde, ao conversar com Padre Pedro. Na verdade Pedro de Recroix, nascido nas matas dos Pirineus franceses, na década de 50 do século passado. Veio para o Brasil em 1961. Encontrou seu canto e recanto na cidade de Goiás, ajudou a construir o Mosteiro da Anunciação do Senhor. Escultor nato, suas obras estão espalhadas pelo mundo, mestre no entalhe, eu amava olhá-lo com suas ferramentas (a maioria inventada por ele) esculpindo seus poemas visuais em madeiras de lei.
  Mestre intuitivo, foi ele quem me introduziu na arte da contemplação. Foi em 2003, no Mosteiro, num domingo, me deu uma aula sobre o hesicasmo. A arte de respirar em oração. Algo dentro de mim estava mudando, em minha respiração, em minha compreensão, em minha rotina. Foi quando padre Pedro me alertou: ‘agora minha filha, sua oração vai ser compassada com a respiração... diga ao inspirar e expirar: Jesus tende piedade de mim’!
  Não sei explicar o fenômeno, mas saí dali com a certeza de que iria achar a resposta para aquele ensinamento. Com o passar dos dias fui fazendo todas as etapas da oração hesicasta. Tracei meu Deserto. Tranquei o portão, desliguei os telefones, apaguei as luzes, nem liguei o computador. Me presenteei com uma entrega total ao ver e ouvir - sem falar. O silêncio de Deus impregnou-se em mim. A cada dia ficava quieta em casa, sem me importar com o mundo, eu era o NADA, precisava me alinhar com o Universo Divino - o TUDO.
  Entrar no ritmo de Deus exige paciência. Foi minha primeira batalha... agüentar o silêncio de Deus. Aprendi que a gente não pode fazer silêncio, pelo simples fato dele já existir. Procurava a santidade e sabia que na etimologia hebraica santo quer dizer ‘aquele que se comporta de outra maneira’, como eu fazia aqueles dias, mesmo que apontada pelos amigos e familiares. Não me importei, foi minha segunda vitória. A terceira etapa foi me equilibrar na oração perene: o Kyrie eleison – Senhor tende de piedade, procurando minha aphateia, meu estado de pureza.
  Depois de seis meses saí em busca de algo maior. Fui ver padre Pedro. Ele sorriu e me ouviu, quase não falou. Já sabia que isso condizia com os hesicastas. Também sabia que ele vivia isolado, em uma cainha mais ao alto, no mosteiro, entre as árvores. Ali no mosteiro, em seu atelier tinha um poder maior, o dom artístico. Ao me acompanhar até o portão, no caminho pegou uma das folhas no chão, olhou-a, me disse que a vida só tem sentido quando somos folha, passamos pelas estações do nascimento, juventude, maturidade e velhice, ao chegarmos no outono devemos cair suavemente, aprovei-tando a brisa, dando adeus à arvore; ao chegar ao solo, em pleno inver-no, adubaremos o solo, para que possam germinar as sementes. Lembro-me bem, que naquela época eu entendi todo ensina-mento.
  Mas agora eu passei pelo ensinamento. Fui visitar o Mosteiro e fiz um pedido especial: ‘ver a casinha onde padre Pedro morou’ – sim... morou! Ele faleceu há menos de um ano. Nem consigo explicar direito, tamanha minha emoção... ao ver aquela casinha, lugar só dele. Meu coração bateu forte, meu pensamento foi olhar o chão, em cima de uma enorme pedra, várias folhas, mas uma delas era diferente, era ‘a minha folha’! Peguei-a, levei-a para dentro da casa que de tão simples deu-me vergonha de ter bens materiais. No chão não há cama, o colchão é uma tábua e o travesseiro um pedaço de tora de madeira. Coloquei a folha ao lado do tal travesseiro. Orei.
  A simplicidade desse mestre ainda me fascina. Morreu igual uma folha que cai da árvore. De manhã levantou-se, fez suas orações com os frades, caminhou pelos seus lu-gares favoritos, almoçou e morreu diante de seus amigos que o levaram para sua casinha.
  Minha arte hesicasta em madeira Pau Brasil deixei , na noite em que me mudei de Goiás, na porta de meu amigo Sebastião Curado, vizinho e irmão de coração. Hoje moro em local onde me é difícil seguir os ensinamentos do hesicasmo, mas preciso de, pelo menos uma vez por semana, passar horas em silêncio profundo, sem importar com os de fora, me importando com O de dentro.




Rita Elisa Sêda


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